“…Tem acarajé no canjerê, tem caruru e vatapá (é divino paladar)…”

Foto: Marcelo Zocchio | Arte: Mayra Fernandes
Encerrando a tríade de posts inspirado no belíssimo samba da Imperatriz de 2015, vamos falar de uma cozinha votiva, ou seja, da relação alimento e religião?
Numa tarde de julho de 2017, estive na república dos estudantes estrangeiros da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) para conversar sobre cozinhas africanas e afro-brasileiras com o pesquisador guineense Maurício Wilson Camilo da Silva. Nesta conversa, ele me disse que pensar a relação dos povos africanos com a alimentação, passava pela compreensão que desde tempos imemoriais, seguido pelos tempos de aculturação que os diferentes grupos étnicos africanos foram submetidos, de que o alimento estava de alguma forma ligado a oferta aos “deuses” . Os povos que tinham ( e tem) por base o culto a ancestralidade, vivenciavam a produção de alimentos de forma comunitária e sagrada, parte da produção era ofertada aos deuses por gratidão, para pedir perdão ou, “de forma geral, para fortalecê-los simbolicamente de atenção, respeito, reconhecimento, amor e confiança” (Ribeiro, 2009). Já com a expansão árabe para terras africanas, um forte vínculo entre hábitos alimentares e a religião islâmica irá se formar, adaptando-se às restrições do Corão. E as experiências religiosas coloniais europeias em Áfricas, com a relação de oferecer comidas por uma graça alcançada por intercessão dos santos de matrizes cristãs.
E no Brasil?
Bem…Por aqui, a experiência histórico-cultural de uma cozinha votiva africana se dará a partir da presença dos escravizados arrancados de Áfricas, sob condições degradantes e das tentativas de apagamentos culturais. Porém, a reunião de memórias e vivências dos diversos grupos étnicos que para cá vieram, materializou-se num culto denominado candomblé, que tem como significado união de nações. E um dos elementos fundamentais deste culto, é a alimentação. Neste sentido, yabás e orixás, comem.
Os alimentos e a forma de prepará-los, carregam e difundem as tradições que remetem às regiões originárias dos cultos. Por aqui, as nações com maior difusão são: Nagô e Kêtu, de origem sudanesa, e Angola e Jejê, de origem Banto. Atentando sempre para diversidade dos cultos trazidos para o Brasil, em geral, a cozinha fica sob os cuidados das iabassês (mães da cozinha), elas tornam especial o modo pelo qual as comidas são preparadas para serem entregues em devoção.
Dentre a diversidade de alimentos e comidas que compõe a dieta dos seres ancestrais, tem alimentos e comidas de origem animal, sangue, coração e fígado, peixes, camarões, outros de origem vegetal tal como o quiabo, o inhame, o dendê, a pimenta. Vale ressaltar, que na falta dos alimentos originários de Áfricas, muitos alimentos do continente americano foram adicionados nas cozinhas dos terreiros, a saber, milho, feijão, farinha de mandioca etc.
Saiba mais em:
PORTELA, Flávia. Gula d` África: o sabor africano na mesa brasileira. Brasília: Senac, 2007.
RIBEIRO, P.H.M. Comida e religiosidade: dos cultos afro-Brasileiros para a história da alimentação Brasileira. In: Semana de Humanidades. Natal:UFRN, 2009.
Foto / Imagem:
https://super.abril.com.br/historia/banquete-despachado-oferendas-para-os-orixas/
Glossário:
Corão (Alcorão) – livro sagrado do islamismo que os mulçumanos acreditam ser literalmente a palavra de Alá (Deus).
Yabás – divindades femininas da mitologia africana iorubá, significa também mãe, senhora, aquela que alimenta seus filhos.
Orixás – divindades da mitologia africana iorubá.
Fontes:
https://studhistoria.com.br/qq-isso/corao-ou-alcorao/
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